sábado, 29 de junho de 2013

O que me dói não é preço da vida 
Que está pela hora da morte.
O que me dói não é arrancar a casca da ferida
Causada por aquele corte
Quando cai de bicicleta
Quando sangrei abrindo a lata de Champion
Quando furei a orelha direita
Disposto a mudar de visual.

O que me dói não é essa cárie, que surgiu no meu dente
O que me dói não é o preço do pão
O que me dói não é a fome do indigente
Sentado na frente da minha mansão.
O que me dói não é sair sem destino
O que me dói não é não ter mais a tua mão
Me afagando, devagarinho
Preenchendo o meu coração.

O que me dói não é lembrar o passado
O que me dói não é ouvir a nossa canção
O que me dói não é me sentir acabado
Derrubado pela solidão
Que invadiu minha casa
Desde que você me deixou
Que abriu as minhas gavetas
E por todos os cantos se alojou.

O que me dói não é sentir teu perfume
Na pele de alguém, quando pego o metrô
O que me dói não é ter que mudar meus costumes
O que me dói não é saber mais para onde vou.
O que me dói não é abrir meu e-mail
E ver que teu e-mail ainda não chegou.
O que me dói não é me sentir partido ao meio
Desde que você me abandonou.

O que me dói não são os dias de verão
Que planejei ao teu lado no Arpoador
O que me dói não é a Primavera
Que não floresceu por falta do teu amor
O que me dói não é melancolia do outono
Nem o inverno que me machucou.
O que me dói não é o teu telefonema
O teu bilhete, o teu torpedo
O teu sinal de fumaça que nunca chegou.

O que me dói não é tanta gente feliz
Se amando, grudada, aos beijos
Na fila do cinema, na escada rolante, na praia, no elevador
O que me dói não é me mudar para Paris
E constatar, que em qualquer lugar você está comigo.
O que me dói não são as porradas da vida
Não é não ter mais cinco anos
Onde o maior dilema nessa idade, é ficar duas horas de castigo.
O que me dói não é essa saudade
Que me deixa incompleto e desprotegido.

O que me dói não é ter que continuar
Não é ser o único a saber que morri
Embora todos achem que ainda vivo.
O que me dói não é ter a certeza que o tempo vai passar
E lá frente, ainda não terei te esquecido.
O que me dói não é tudo perder a graça
E nada mais ser colorido
Como um filme em preto e branco
Com um carneiro, sem sal, mal cozido
Viver se tornou indigesto
Mas não é isso que me deixa em desabrigo.

O que me dói não é compor esse verso
Não é esse mundo instável, descartável, complexo
Onde tudo parece ser efêmero
Onde uma hora, tudo chega ao fim.
O que me dói é só uma coisinha:
Por mais que eu grite, que eu chore
Querendo de volta sua companhia
Não adianta.
Você nem sem lembra mais de mim.

                                                                 Herton Gustavo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui a sua opnião!